Pensar
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
David Hume
As ideias dependem de sensações
À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição. Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada (...) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência.
(...)
Para prová-lo, espero que serão suficientes os dois argumentos seguintes. Primeiro, se analisamos nossos pensamentos ou idéias (...) sempre verificamos que se reduzem a ideias tão simples como eram as cópias de sensações precedentes. Mesmo as ideias que, à primeira vista, parecem mais distantes desta origem mostram-se, sob um escrutínio minucioso, derivadas dela. A idéia de Deus, significando o Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, nasce da reflexão sobre as operações do nosso próprio espírito, quando aumentamos indefinidamente as qualidades de bondade e de sabedoria. Podemos continuar esta investigação até a extensão que quisermos, e concluiremos sempre que cada ideia que examinamos é cópia de uma impressão semelhante. Aqueles que dizem que esta afirmação não é universalmente verdadeira, nem sem excepção, têm apenas um método, e em verdade fácil, para refutá-la: mostrar uma idéia que, em sua opinião, não deriva desta fonte.
Segundo, se ocorre que o defeito de um orgão prive uma pessoa de uma classe de sensação, notamos que ela tem a mesma incapacidade para formar as ideias correspondentes. Assim, um cego não pode ter noção das cores nem um surdo dos sons. Restaurai a um deles um dos sentidos de que carecem: ao abrirdes as portas às sensações, possibilitais também a entrada das ideias, e a pessoa não terá mais dificuldade para conceber aqueles objectos.
Em verdade, admitimos que outros seres podem possuir muitos sentidos dos quais não temos noção, porque as ideias destes sentidos nunca nos foram apresentadas pela única maneira por que uma ideia pode ter acesso ao espírito, isto é, mediante o sentimento e a sensação reais.
David Hume, in ''Investigação Acerca do Entendimento Humano' - com alguns cortes feitos por mim.
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